* Júlio César de Azeredo Sá, advogado, sócio da Mario Madureira Advogados Associados. Cada vez mais é comum os inúmeros problemas oriundos da má prestação de serviço pelas companhias aéreas, podendo-se citar como os mais frequentes os atrasos e/ou cancelamentos de voos e o extravio de bagagem. Por trás de um bilhete aéreo podem estar as mais diversas expectativas: a viagem de lua-de-mel, uma reunião de negócios, o regresso para casa ou as tão esperadas férias da família. Por isso, a ocorrência de atrasos ou cancelamento de voos e o extravio de bagagem podem causar danos materiais e morais de expressiva monta, transformando o sonho do consumidor em um verdadeiro pesadelo. As companhias aéreas, na maior parte das vezes, quando diante de um problema, optam sempre pela solução que lhes é mais conveniente, deixando o interesse do consumidor em último plano. Na verdade, fazem um cálculo do custo/benefício, preferindo transferir ao consumidor o ônus advindo de sua falha, ao invés de ampará-lo. No entanto, é preciso ficar claro ao consumidor que o mesmo está protegido, tanto pela legislação quanto pela jurisprudência dos nossos tribunais. Conforme a regra do art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade da fornecedora de serviços pelos danos causados aos seus clientes/passageiros é objetiva. Vale dizer: a empresa responde, independentemente da existência de culpa, por defeitos relativos à prestação do serviço, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição. Já o art. 737, do Código Civil Brasileiro, estabelece que o transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior. Ainda no Código Civil, encontra-se plasmada no artigo 186 a regra no sentido de que “
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.“ Assim, no caso da prestação defeituosa do serviço, seja por atrasos/cancelamentos do voo e/ou por extravio de bagagem, deve a companhia aérea indenizar o consumidor pelos danos materiais e morais sofridos. Os danos materiais são aqueles relativos a despesas com compra de roupas, alimentação, hotel, etc., eventualmente não suportados pela companhia aérea, que o consumidor foi obrigado a efetivar por conta da prestação defeituosa do serviço contratado. Já os danos morais podem ser caracterizados por tudo aquilo que o consumidor sofreu em razão dos ilícitos praticados pela empresa aérea. No caso de cancelamento ou atraso de voo, por exemplo, o consumidor, além de toda a frustração e estresse gerados por esse tipo de incidente, pode ter perdido um compromisso no destino ou ter deixado de aproveitar um dia a mais de passeio, sem falar, muitas vezes, no drama de ficar desamparado em uma cidade estranha. Já nos casos de extravio de bagagem, é comum ficar sem roupas, sem material de higiene, passar frio e perder objetos de valor estimativo, como fotos, presentes, etc. Tudo isso causa angústia e sofrimento, razão pela qual cabível indenização. A questão sobre a fixação do valor da indenização pelo dano moral, porém, é subjetiva, já que inexistem critérios legais rígidos para o arbitramento do montante. A doutrina e a jurisprudência têm construído paradigmas materiais, pautados pelo equilíbrio. Assim, é lugar comum o entendimento de que o valor da indenização deve representar para a vítima uma satisfação capaz de, senão compensar o mal sofrido, ao menos amenizá-lo, e para o ofensor uma pena, de caráter pedagógico, no sentido de inibir a reiteração de fatos similares no futuro. O montante indenizatório, por sua vez, não pode ser de tal forma elevado, que cause o enriquecimento do ofendido e o empobrecimento do ofensor, tampouco irrisório, a ponto de não reparar minimamente o dano sofrido e de não cumprir o efeito pedagógico ao ofensor, em face da sua insignificância. Como antes dito, a jurisprudência é pacífica acerca do direito do consumidor à indenização pelos danos materiais e morais advindos da prestação defeituosa do serviço pela empresa aérea, como é exemplo, dentre tantas, a decisão abaixo: “
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. COMPANHIA AÉREA. CONTRATO DE TRANSPORTE. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MORAIS. ATRASO DE VOO. SUPERIOR A QUATRO HORAS. PASSAGEIRO DESAMPARADO. PERNOITE NO AEROPORTO. ABALO PSÍQUICO. CONFIGURAÇÃO. CAOS AÉREO. FORTUITO INTERNO. INDENIZAÇÃO DEVIDA.
- (...).
- O contrato de transporte consiste em obrigação de resultado, configurando o atraso manifesta prestação inadequada.
- A postergação da viagem superior a quatro horas constitui falha no serviço de transporte aéreo contratado e gera o direito à devida assistência material e informacional ao consumidor lesado, independentemente da causa originária do atraso.
- O dano moral decorrente de atraso de voo prescinde de prova e a responsabilidade de seu causador opera-se in re ipsa em virtude do desconforto, da aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro.
- Em virtude das especificidades fáticas da demanda, afigura-se razoável a fixação da verba indenizatória por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
- Recurso especial provido.”
(REsp nº 1.280.372-SP, 3ª Turma do E. STJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/10/2014, decisão unânime) No mesmo sentido, vale citar trecho do voto da Ministra Maria Isabel Gallotti, quando do julgamento do
AgRg no AREsp 156.386/RJ, 4ª Turma, ocorrido em 20/02/2014, DJe 13/03/2014. Confira-se (sem grifos no original):
“(...). O fortuito interno, assim entendido como fato imprevisível e, por isso, inevitável, "não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte da sua atividade, ligando-se aos riscos do próprio empreendimento. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito, já que o fornecedor é sempre responsável por suas consequências, ainda que decorrentes de fato imprevisível e inevitável" (Fabrício Bolzan, Direito do Consumidor, Editora Saraiva, pág. 309 - grifou-se). Aliás, na mesma linha, esta Corte já assentou que "na relação de consumo, existindo caso fortuito interno, ocorrido no momento da realização do serviço, como na hipótese em apreço, permanece a responsabilidade do fornecedor, pois, tendo o fato relação com os próprios riscos da atividade, não ocorre o rompimento do nexo causal" (REsp nº 762.075, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 29/6/2009).”